sábado, 17 de janeiro de 2009

Eu Lírico.

Por Clara Pimentel

Existe um mal que há tempos corrói a sociedade. Trata-se de uma doença que destrói a parte mais importante dos seres humanos: a alma. Há milênios está chaga causa óbitos e catástrofes, e ainda assim passa despercebida durante uma vida inteira. Múltiplas vidas inteiras de múltiplos meros mortais.

Esta doença além de contagiosa é também silenciosa, quase imperceptível. Iniciando-se na alma, ela mata o indivíduo gradativamente, diminuindo sua sensibilidade, sua luz e graça pouco a pouco. Com o tempo a enfermidade começa a demonstrar sinais físicos de sua presença, tais como: ausência de taquicardia, olhar que não reluz, braços fracos no abraço, pouca capacidade de concentração e dedicação; e crê-se também que ocorra a diminuição da massa encefálica. A causa deste terrível mal é o descaso, o estar alheio ao fato de que há uma incrível simbiose entre corpo e alma, e que é necessário que se costume crê apenas no que se vê, por isso considera-se apenas um Eu Material. Oh! Mas isso é bobagem dos que não conversam com os deuses.

Psique, esposa de Eros, falou-me do Eu Lírico que há em cada um de nós mortais, o qual responde pelas coisas da alma e é o nosso elo sutil com os deuses.É justamente o descaso com o Eu Lírico o estopim da tal chaga uouça e se preserve ambos em igual demasia. Quando não eis que um ou outro definha.O plural tem como niversal. Deixá-lo solitário, entregue à própria sorte, catando no ar os restolhos de bons sentimentos, das palavras e vozes divinais que o Eu Material nega-se a oferecer-lhe, insistindo em privá-lo de doses homeopáticas de poesias, músicas celestiais, encantadoras histórias, quadros que pintam-se revelando a alma de terceiros, os amores puros isentos das asneiras da carne.Conforme a doença se alastra e se agrava, a sensação de vazio aflige e consome os enfermos por completo e na busca incessante de preencher este vazio findam entregando-se completamente aos deleites da carne, o que só acelera o processo de suicídio parcial. O vazio se propaga e os sinais físicos o tornam cada vez mais desprezível.

A única coisa capaz de reverter este quadro fúnebre é dedicar ao menos umas três horas semanais para a exaltação e o mimo do seu Eu Lírico. Tens de dá-lo doses cavalares de lindas músicas, poesias, histórias, cenas, sentimentos, sorrisos e saciá-lo com o delicioso elixir dos deuses.Então, se há muito você não olha para a Lua, se não sorri mais de 8 vezes ao dia, ou senti qualquer dos outros sintomas mencionados anteriormente indico-lhe algo que lhe rejuvenescerá e fará seu Eu Lírico criar alma nova: o Sarau da Casa de Leitura da Gameleira – Poesia na Cesta, que acontecerá todas as sextas desse mês, às 18:30. Lá terás tudo o que seu Eu Lírico necessita para viver e trazer-lhe paz. Para os que não sofrem do tal mal universal, mimar o Eu Lírico nunca é demais, vocês bem sabem disso! Vamos lá! Leve-o para tomar um chá :) Eros e Psique já confirmaram suas presenças!

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

20 Anos de Risos

Rufino e Microbinho cantando histórias


Quando descobri ano passado que o Rogério Curtura viajaria o país em uma Brasília um pouco fora dos padrões exigidos pelo Detran, pensei comigo mesmo, que ele era um pouco louco. E, para ajudar na imagem que preconceituosamente comecei a formar, descobri que ele levaria seu filho mais velho, e só não levaria o resto da família, seu mulher Françoise Pessoa e o caçula Pablo (na época ainda um garotinho que mal começara a estudar) porque sua esposa não poderia deixar os trabalhos que tinha junto ao Centro de Multimeios. Rogerinho, apelido que ganhou por herdar o nome do pai, teve que parar os estudos para seguir viagem. Rogério-pai, diz que não o forçou a nada, ele teve a chance de escolher. Mesmo achando tudo aquilo uma aventura divertida mas que não deixava de ser louca, vejo agora no espetáculo “20 Anos de Risos”, o quanto essa experiência foi importante para Rogerinho na sua formação de ator. O garoto, que em trabalhos anteriores, já tinha mostrado sua competência no palco aparece agora como um ator mais completo e que promete grandes atuações.



Microbinho e Coizinha em número circense

A fila que se alongava no salão de entrada do Museu dos Autonomistas esperava ansiosa por esse espetáculo, que segue a linha circense do grupo. A Turma Do Rufino volta ao palco depois de tempos. A diferença desta apresentação, que ficará em cartaz todos os domingos de janeiro e fevereiro, às 17 horas, no Teatro Hélio Melo, está na divisão feita do espetáculo. Esse, se divide em duas partes, a primeira onde o Palhaço Rufino conta sua história de 20 anos, que está intimamente ligada com a história do seu próprio criador, e a segunda onde já com a turma completa, e um mais novo integrante,o Palhaço Piolhinho ( aquele que no inicio da matéria era apenas um garotinho que estava começando a estudar ) fazem diferentes números circenses em todas as apresentações. Ou seja, todos os domingos podem ser vista números novos.

Piolhinho, o mais novo integrante da Turma.



Em certa parte do show, o Palhaço Rufino, com o pretexto de que precisa enrolar a platéia enquanto os outros arrumam o cenário, explica que não estão ali fazendo uma peça de teatro e sim, um show circense no Teatro. Então não saia de casa pensando em assistir uma peça como “O Circo da Praça”, último trabalho do grupo antes da viagem de Rogério e Rogerinho. Daí, a mudança no espetáculo a cada apresentação. Com um roteiro que se modifica aos olhos do publico, os palhaços do “20 Anos de Risos” conseguem mostrar a sua qualidade circense com atores preparados e uma magia peculiar. Não só de palhaços se constrói o grupo, mas de acrobatas, malabaristas... e a lista cresce todos os domingos quando nos apresentam novidades.



Rufino contado suas histórias de 20 anos de boas aventuras.


Rogério Curtura, que nunca foi contador de histórias, confessa que essa foi a maior dificuldade de estrear o show. Primeiro por não entender da arte de contar histórias, e segundo que até um dia antes da estréia não tinha o texto decorado. Mas mesmo assim, a contação se dá de forma divertida e interessante, já que além de falar do próprio Rufino, conta sobre suas parcerias com outros palhaços, inclusive com o Tenorino. A interação é quase um pilar do espetáculo, e a parte em que as criança com misto de medo e uma vontade louca de participar, se embaralham frente ao palco, com as mãos ao alto, pedindo para serem escolhidas para o próximo número.

Monociclo, o Caçula Pablo se diverte no palco.

E assim, o show “20 Anos de Risos” se torna um parque de diversões para menores e um momento de relembrança para os maiores, que certamente já se divertiram muito, senão com o Rufino, com o Tenorino, ou com o Carrapeta... e que ainda podem se divertir, agora com a volta da Turma do Rufino. Se eu soubesse que essa viagem traria tantas novidades, certamente teria pedido carona na Brasília “Azulera” do Rogério.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

A paixão pela literatura (ou a péssima habilidade de escrever títulos)

(Kafka adaptado por Peter Kuper)

Kafka certa vez escreveu um livro contando em suas confusas narrativas sobre a transformação de um homem em um grotesco animal – que sempre imaginei como uma barata, mas que não chegou a ser confirmado pelo autor, apesar da semelhança da descrição. Esta metamorfose não tratava de uma historia apenas, mas de várias, vividas no anonimato das vidas cotidianas. Ali, a historia central não era do personagem que se transformava, e sim de como essa mudança modificava todos os hábitos de sua família, provocando os mais diversos sentimentos entre seus familiares. De raiva, compaixão, medo e desprezo. Um amor que dizia – e segundo as convecções da sociedade, deveria – ser incondicional. Mas não o era, como deixam de ser tantos outros.

Mas tanta divagação tem um motivo. Nas linhas e descrições deste autor, vi renascer em mim uma paixão antes esquecida pelas ocupações do dia-a-dia. A paixão pela literatura. Um bordão meio clichê, admito, mas que não deixa de ser verdade. Da menina de 11 anos que deixava de brincar com seus amigos para ficar lendo sozinha o livro que ganhara de aniversário dentro da sala de aula, ate a acadêmica que passou mais de uma hora sentada no chão da biblioteca universitária lendo livros antigos, esta paixão me acompanhou por anos – ora lembrada com o fulgor de toda paixão, ora esquecida no marasmo das atividades cotidianas.

Depois de Kafka, muitas vezes esse sentimento pela literatura foi esquecido e relembrado. Muitas vezes me vi com um ou mais livros pesando na bolsa. Não foram poucas as vezes que virei a noite para terminar mais um parágrafo, mais um capitulo, mais uma historia. Foram inúmeros os livros descobertos na biblioteca montada pelos meus pais, anos de leituras e descobertas expostos em estantes de madeira. Clarice Lispector, Humberto Eco, Milan Kundera, Chico Buarque... Escritores redescobertos por mim como se fossem novidades, mas que há muito já haviam sido lidos por aqueles que me geraram.

A cada literatura, minha escrita – outra companheira de minha vida – foi se modificando. Certa vez li que para um homem escrever um único livro, era necessário que ele tivesse lido uma biblioteca inteira. Concordo em gênero, numero e grau. Um bom livro – seja lá o que isso signifique – precisa antes de tudo de um bom leitor. Ainda procuro em minhas linhas distorcidas aquilo que os jornalistas e comunicadores em geral chamam de estilo. Não tenho um. E talvez nem seja importante tê-lo, mas a sua falta me persegue como um fantasma. E a cada frase lida tento pegar aquilo que poderia ser meu. Aquela coisa que poderia compor o meu próprio modo de escrever, dando-lhe uma forma que ainda não existe, e talvez por isso seja livre.

E a cada leitura me modifico. Transformo-me. Como a tal metamorfose descrita por Kafka. Já dizia Raul Seixas “sou uma metamorfose ambulante”. Talvez seja. Minha escrita certamente o é.