Kafka certa vez escreveu um livro contando em suas confusas narrativas sobre a transformação de um homem em um grotesco animal – que sempre imaginei como uma barata, mas que não chegou a ser confirmado pelo autor, apesar da semelhança da descrição. Esta metamorfose não tratava de uma historia apenas, mas de várias, vividas no anonimato das vidas cotidianas. Ali, a historia central não era do personagem que se transformava, e sim de como essa mudança modificava todos os hábitos de sua família, provocando os mais diversos sentimentos entre seus familiares. De raiva, compaixão, medo e desprezo. Um amor que dizia – e segundo as convecções da sociedade, deveria – ser incondicional. Mas não o era, como deixam de ser tantos outros.
Mas tanta divagação tem um motivo. Nas linhas e descrições deste autor, vi renascer em mim uma paixão antes esquecida pelas ocupações do dia-a-dia. A paixão pela literatura. Um bordão meio clichê, admito, mas que não deixa de ser verdade. Da menina de 11 anos que deixava de brincar com seus amigos para ficar lendo sozinha o livro que ganhara de aniversário dentro da sala de aula, ate a acadêmica que passou mais de uma hora sentada no chão da biblioteca universitária lendo livros antigos, esta paixão me acompanhou por anos – ora lembrada com o fulgor de toda paixão, ora esquecida no marasmo das atividades cotidianas.
Depois de Kafka, muitas vezes esse sentimento pela literatura foi esquecido e relembrado. Muitas vezes me vi com um ou mais livros pesando na bolsa. Não foram poucas as vezes que virei a noite para terminar mais um parágrafo, mais um capitulo, mais uma historia. Foram inúmeros os livros descobertos na biblioteca montada pelos meus pais, anos de leituras e descobertas expostos em estantes de madeira. Clarice Lispector, Humberto Eco, Milan Kundera, Chico Buarque... Escritores redescobertos por mim como se fossem novidades, mas que há muito já haviam sido lidos por aqueles que me geraram.
A cada literatura, minha escrita – outra companheira de minha vida – foi se modificando. Certa vez li que para um homem escrever um único livro, era necessário que ele tivesse lido uma biblioteca inteira. Concordo em gênero, numero e grau. Um bom livro – seja lá o que isso signifique – precisa antes de tudo de um bom leitor. Ainda procuro em minhas linhas distorcidas aquilo que os jornalistas e comunicadores em geral chamam de estilo. Não tenho um. E talvez nem seja importante tê-lo, mas a sua falta me persegue como um fantasma. E a cada frase lida tento pegar aquilo que poderia ser meu. Aquela coisa que poderia compor o meu próprio modo de escrever, dando-lhe uma forma que ainda não existe, e talvez por isso seja livre.
E a cada leitura me modifico. Transformo-me. Como a tal metamorfose descrita por Kafka. Já dizia Raul Seixas “sou uma metamorfose ambulante”. Talvez seja. Minha escrita certamente o é.
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